Setembro : o mês do Caruru
É só o mês de setembro chegar que a primeira coisa que o soteropolitano pensa é: “Esse mês tem caruru”!
O sincretismo religioso é uma das características mais marcantes de Salvador. E o que isso tem haver com a prática de dar caruru no mês de setembro? Tudo!
Vagner Rocha, doutor em estudos étnicos e africanos, explica que “a celebração com comida com dendê se deve ao sincretismo religioso, já que é considerado o mês de São Cosme e Damião e dos Ibejis. A Igreja Católica tem o costume de comemorar no dia 26 de setembro, enquanto na tradição popular e nas religiões de matriz africana é celebrado no dia 27 de setembro”. Ou seja, as duas religiões celebram irmãos gêmeos e o caruru fica no centro da maioria dessas homenagens.
E não é só caruru, é um banquete completo. Para acompanhar o alimento principal, são servidos também acarajé, abará, frango, vatapá, farofa de dendê, feijão preto, feijão fradinho, milho branco, arroz, pipoca, cana em pedaços, banana da terra, rapadura, ovos, abóbora e inhame. Além disso, são distribuídos doces para a criançada.

Créditos: Jefferson Dias
Tradição nas religiões de matriz africana
Nas religiões de matriz africana, os homenageados no mês de setembro são os Ibejis, palavra que tem origem iorubá e quer dizer gêmeos, onde “ibi” significa nascido e “eji” significa dois.
Os ibejis, que também são chamados de erês, são crianças que amam brincadeiras e doces e são cultuados como divindades. Contam-se várias histórias, mas, de acordo com o livro “Cozinhando História: receitas, histórias e mitos de pratos afro-brasileiros”, essa tradição tem início porque “os Ibejis, filhos gêmeos de Xangô, ajudaram o pai a não mais ter a refeição devorada por Exu. Como recompensa, pediram que, quando tivesse amalá, ele os reservasse uma parte sem pimenta”. Assim, anualmente, no mês de setembro, eles são homenageados com o caruru, um prato semelhante ao amalá.
Dessa forma, o caruru é uma oferenda, que nesse mês é chamado de “caruru de sete meninos” ou “caruru de promessa”. Ele é servido em um nagé de barro, vasilha de cerâmica que é usada para oferecer comida aos santos. Na tradição, o alimento é servido inicialmente para os santos, depois para sete meninos, que precisam ter, no máximo, sete anos de idade, que sentam ao redor da refeição, comem juntos com as mãos, e os convidados só podem comer depois que eles acabarem. Conta-se que são escolhidos sete meninos porque existiam sete irmãos: Taiwo, Kehinde, Idhoú, Alabá, Talabí, Adoká e Adosú.
Tradição no catolicismo
Já no catolicismo, os homenageados são São Cosme e São Damião, que eram gêmeos, mas não crianças quando se tornaram famosos. A história conta que eles eram médicos, protetores de crianças, doentes e necessitados, que ofereciam a cura por meio de orações e realizavam milagres que só a fé pode explicar.
Segundo o professor Édison Hüttner, os santos eram guiados pela fé e até a roupa que eles vestiam trazia simbologias. De acordo com ele , “o verde representa a esperança além da morte, o vermelho, o martírio e o colarinho branco, a pureza de coração no exercício da medicina. Eles seguram caixinhas nas mãos, uma representa os remédios que eles usavam para curar e a outra, a espiritualidade com a qual eles realizavam a cura espiritual”.
Na Igreja Católica, essa homenagem é celebrada no dia 26 de setembro com missa e distribuição de doces, e algumas pessoas também oferecem caruru como promessa.
O soteropolitano e o caruru
O soteropolitano tem uma relação muito forte com o caruru. Além de ser comida característica do mês de setembro, algumas outras datas festivas também são comemoradas com esse tipo de banquete, como o Dia de Iansã e Santa Bárbara. Outro exemplo, é que tem gente que toda sexta-feira come comida baiana, é tradição.
De origem africana, o caruru é a nossa comida ancestral. Foi trazido pelos escravizados e mantido na nossa cultura. O caruru, chamado de amalá no candomblé, tem história, afeto, acolhimento e união. Significa fartura, renovação e prosperidade.
Então se você for convidado para um caruru no mês de setembro, sinta-se amado e se não for, ainda dá tempo de postar a frase famosa do mês de setembro: “Aceito convites para caruru”.
Referências:
Livro: “Cozinhando História: receitas, histórias e mitos de pratos afro-brasileiros”