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Deusa do Ébano: afirmação que encanta

Concurso da Rainha do Ilê Aiyê é sinônimo de valorização e realização de sonho

Todos os anos a história se repete. Motivadas pela afirmação de sua beleza e conscientização sobre a importância da sua identidade cultural, mulheres negras investem no sonho do título de Deusa do Ébano do Ilê Aiyê. O concurso é realizado pelo primeiro bloco afro do Brasil, fundado em 1974, no Curuzu/Liberdade, na capital baiana. Os critérios de definição do que é belo têm como foco a valorização dos traços, formas e cores da estética negra, além do carisma e da dança.

O primeiro bloco afro do Brasil, além de criar um espaço e integrar o negro no cenário do Carnaval de Salvador, implantou uma política pioneira de Ação Afirmativa. Muito antes de se pensar no Sistema de Cotas em universidades públicas, a eleição da Deusa do Ébano veio para incluir a mulher e afirmar que era possível ser rainha e deusa em uma sociedade negra e, no entanto, racista.

Estética como estratégia de afirmação e luta da negritude

Lábios grossos, nariz achatado e cabelo crespo na pele preta não eram referenciais de beleza antes do final da década de 70. Até a criação do concurso da Deusa do Ébano, pelo Ilê Aiyê, a maioria da comunidade negra de Salvador não se assumia e evitava tudo que pudesse ressaltar seu rosto e seu corpo. Não usava cores fortes nas roupas e maquiagem, não revelava sua religião e suprimia sua identidade.

O evento reformulou a mente de jovens, que, hoje, investem no que acreditam ser a grande oportunidade de crescimento profissional e pessoal, utilizando a estética como estratégia de afirmação e luta da negritude. Mas o discurso da diferença não é para excluir ou separar. É só para avisar que havia chegado o momento de conscientização e descoberta sobre sua beleza, força e necessidade de reconhecimento desse poder.

Acabar com o mito do padrão de beleza europeu, de cabelos lisos, lábios finos e pele clara, exigiu coragem para assumir a identidade. Invadir o circuito branco do Carnaval, cantando uma língua “enrolada”, com panos com colorido forte amarrados no corpo e na cabeça, tocando e dançando o ijexá, mudou o ritmo da festa. Ao surgir como uma vertente moderna do afoxé já existente, o Ilê veio com um diferencial: a participação da mulher. Desde o início baseado na figura da conselheira espiritual Mãe Hilda, a entidade se caracterizou pelo intuito de exaltar, respeitar e elevar a autoestima feminina.

Ijexá no sangue

A partir daí torna-se necessário expressar todo o saber através da dança, deixando-se levar pelo toque dos tambores com força, graça, ternura, beleza, sabedoria e compromisso. Os gestos e a postura no palco denunciam o nível de envolvimento com sua cultura e é o principal requisito analisado pelo público e jurados. A personalidade de cada rainha é evidente no jeito de colocar a meia ponta dos pés no chão, na imponência ao entrar no palco, no olhar, no sorriso e na cabeça erguida, que demonstra leveza e força ao mesmo tempo. O tempero final é dado pelo conhecimento da sua história aliado a uma postura coerente na expressão do seu discurso. A candidata ao título tem que ser uma mulher negra, reluzente, carismática e principalmente ter o “pé lavado”, ou seja, “entregar-se ao dançar o ijexá”, como dizia a guardiã da fé e da tradição africana, Mãe Hilda Jitolu.

Mas, como a maioria das candidatas já nascem com o ijexá no sangue, aprimorado nos ensaios na Senzala do Barro Preto durante todo o ano, a roupa individual no dia da final é o que mais preocupa. Todas querem chegar mostrando que vieram para ganhar e, para isso, gastam, e muito, nos adereços e tecidos, de preferência africanos. Palha da costa, saia de tiras, cabaça, búzios e tecidos africanos são os materiais mais utilizados.

Um concurso capaz de produzir transformações sociais e individuais

A ideia do concurso como “Noite da Beleza Negra” partiu de um dos membros da diretoria da entidade, Sérgio Roberto, em 1979, com o objetivo de legitimar a negritude em todos os seus aspectos. A inspiração da noite, que ocorreu no Clube Comercial, localizado na Avenida Sete de Setembro, veio dos tradicionais concursos de Rainha do Carnaval e de Rainha do Fantoches da Euterpe, um dos mais esperados da época. Mas o propósito era instaurar uma estética própria, original e diferente de tudo que já havia sido visto.

Depois de eleita e receber o manto, o cetro e a coroa da majestade do ano anterior, a Deusa do Ébano torna-se o referencial de negritude, capaz de produzir transformações sociais e individuais. A aparência da rainha deve incorporar a energia do bloco de forma renovada. Ela é a representação do futuro, de um novo ciclo de atividades, conservando os valores do passado. As dificuldades enfrentadas para comparecer nas eliminatórias e o trabalho dobrado para garantir a participação são recompensados no dia em que a eleita sobe no caminhão para arrastar a multidão carregando o peso da responsabilidade de desfilar no Curuzu no sábado de Carnaval.

A atitude de assumir a negritude com orgulho e alegria contagia brancos, negros, pardos, mulatos e tantos outros que se emocionam ao ver a Deusa do Ébano abrir os caminhos e guiar o cortejo negro do Mais Belo dos Belos pintando as ruas de Salvador de amarelo, branco, vermelho e preto. As cores significam, respectivamente, o ouro, a paz, o sangue derramado na luta pela igualdade e a cor da raça negra.

Conheça as 14 candidatas de 2023

O Ilê, para a maioria das participantes, é o ponto de partida da descoberta e afirmação da negritude em seu contexto familiar. Conheça as 14 candidatas que buscam essa realização que é a concretização de um sonho coletivo ou individual, mas sempre motivado por muito e antigo amor.

Bárbara Cristina Sá Sacramento

Bárbara Cristina Sá Sacramento. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Aos 32 anos, Bárbara Cristina Sá Sacramento (Bárbara Cristina) resolveu que era a hora de ser Deusa do Ébano e veio com a irmã Larissa, que também concorre ao título. Moradora do Curuzu, passou a vida acompanhando o sonho de perto. “Há muito tempo acompanho e ficava questionado o motivo de não estar lá em cima do palco, do trio no desfile do bloco. Acho que chegou a hora”.

Música: “Rosa Negra”, de Reizinho

Caroline Xavier de Almeida

Caroline Xavier de Almeida. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Subir no palco da Noite da Beleza Negra é a segunda experiência de Caroline Xavier de Almeida (Carol Xavier), 24 anos, que é a atual Rainha do Malê Debalê. Seu processo de construção identitária negra só ocorreu na adolescência, entre 14 e 15 anos de idade, ao integrar o Sarau da Onça (coletivo que desenvolve ações culturais, educacionais e de formação para jovens soteropolitanos no bairro de Sussuarana). “Mesmo sem ter esse conhecimento sobre a minha identidade cultural em casa, foi importante e possibilitou o meu desenvolvimento em diversos âmbitos, e agora quero deixar isso mais forte com o título de Deusa do Ébano”.

Música: “Comando Doce”, de Juracy Tavares e Ulisses Castro

Dalila Santos de Oliveira

Dalila Santos de Oliveira. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*É a primeira vez que Dalila Santos de Oliveira, 20 anos, concorre ao posto de Rainha do Ilê Aiyê, embora a vontade tenha surgido ainda na infância, quando chamava a atenção ao dançar. “Uma vez estava dançando no bloco e as pessoas ficavam olhando. E minha madrinha sempre quis que eu participasse, me colocou no concurso deste ano, e acho que estou preparada”.

Música: “Negra Fulô”, de Amilton Lopes

Daiane de Souza Conceição

Daiane de Souza Conceição. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Daiane de Souza Conceição investe no sonho de ser Deusa do Ébano há cinco edições do evento. Já foi Rainha Malê Debalê, em 2013, e agora retoma o antigo desejo de guiar o desfile do Mais Belo dos Belos. “Cada ano é uma vivência diferente. É uma história diferente, um caminho diferente. É como se fosse a primeira vez sempre, por conta da trajetória nova que a gente tem que construir em cada concurso, e quero dar seguimento a isso”.

Música: “Só o pensamento”, de Reizinho

Ingride Silva do Nascimento

Ingride Silva do Nascimento. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Ingride Silva do Nascimento (Ingride Silva), 30 anos, entrou para a primeira seletiva sem expectativa de avançar. Só passou a acreditar numa possível vitória com a confirmação do seu nome com o passar das etapas. “Para quem dança, passar no concurso da Deusa do Ébano é como ser aprovada em uma faculdade. É uma vitória e uma conquista para a vida”.

Música: “Canto sideral”, de Julinho Magaiver, Guzza e Elói Estrela

Jamile Fátima de Oliveira Santos

Jamile Fátima de Oliveira Santos. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*É grande a expectativa da família de Jamile Fátima de Oliveira Santos, 35 anos, que se inscreveu no concurso para ser a Rainha do Ilê Aiyê pela segunda vez. Para ela, o bloco é referência em diversos aspectos e o título representa uma grande oportunidade. “O Ilê é a nossa base de formação identitária e de afirmação do que somos culturalmente, o que possibilita essa grande visibilidade, que pode ser aproveitada para o nosso crescimento e propagação do que o bloco realiza ao longo do ano”.

Música: “Menina Faceira”, de Reizinho

Laís de Araújo Ferreira

Lais de Araujo Ferreira. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Laís de Araújo Ferreira, 26 anos, veio para marcar a edição da Beleza Negra. Ainda que não seja a próxima rainha, ela já conquistou o título de coragem e vanguarda, sendo a primeira candidata trans da história do concurso. “Além de ser um sonho, o Ilê ajudou a criar minha identidade. Então, minha inscrição é uma forma de agradecimento ao que eu sou hoje”.

Música: “Mama África”, de Itamar Tropicália

Larissa Valéria Sá do Sacramento

Larissa Valéria Sá do Sacramento. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Desde os 13 anos Larissa Valéria Sá do Sacramento (Larissa Valéria), 28 anos, chora no desfile do Ilê no Carnaval. Este ano tenta o posto de rainha pela segunda vez e fez a inscrição com a irmã Bárbara, que também é candidata. “Além de ser uma inspiração e ter o desejo de conseguir, é um sonho da minha família, que sempre teve ligação com o bloco, já que meu pai era percussionista do Ilê”.

Música: “Corpo excitado”, de Reizinho

Lorena Santos da Silva

Lorena Santos da Silva. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Lorena Santos da Silva (Lorena Santos), 21 anos, voltou do Rio de Janeiro, onde mora há seis anos, para participar da seleção. Mas o amor começou quando era criança e via o irmão nos preparativos para o desfile. “Eu via ele se arrumando e tinha vontade. Isso foi crescendo e, no Rio, participei do grupo afro Orumilá, desenvolvi projeto de dança como professora e, agora, resolvi fazer a inscrição sem contar para ninguém”.

Música: “Ori Ara Wká Yá”, de Caj. Carlão

Mairine Pereira Nonato

Mairine Pereira Nonato. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Desde os 24 anos Mairine Pereira Nonato (Mairine Nonato), 27 anos, preenchia o formulário de inscrição do concurso para Deusa do Ébano e não completava os dados exigidos para a conclusão do cadastro. A barreira só foi vencida este ano, quando ela conseguiu enviar a ficha completa. “Eu tinha vergonha, medo da rejeição. Algo me impedia de avançar e encarar o desafio que vai levar à realização do meu sonho de ser Rainha do Ilê. Desta vez, fui com determinação e estou aqui”.

Música: “Havemos de voltar”, de Edson Xuxu e Cuiúba

Mayana Paiva dos Santos Paiva

Mayana Paiva dos Santos Paiva. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Mayana Paiva dos Santos Paiva (Mayana Paiva), 35 anos, alimenta um amor antigo pelo Ilê Aiyê, mas nunca tinha pensado em ser a Deusa do Ébano. Sempre teve a vida envolvida com a dança afro e trabalha no ramo há oito anos, mas, por circunstâncias da vida, foi deixando a vontade de lado. “Fico arrepiada só em ouvir os tambores do Ilê. Esqueço o mundo e começo a dançar. Não posso mais esperar e resolvi encarar o desafio e realizar esse desejo que é tão presente na minha vida desde cedo”.

Música: “Minha origem”, de Vicente de Paula

Mércia Cristina Silva Machado

Mercia Cristina Silva Machado. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Quando Mércia Cristina Silva Machado, 27 anos, subir no palco da Beleza Negra, estará tentando ganhar o título por ela e pela mãe. Ambas acompanham o Ilê no Carnaval e sonham juntas com a conquista. “Nenhuma candidata sobe sozinha naquele palco. É identificação, representatividade e ancestralidade. E a vitória também é compartilhada por todas e todos que dedicaram sua trajetória à luta pelos nossos direitos”.

Música: “Estandarte Ilê”, de Reizinho

Tailane Brito Santos

Tailane Brito Santos. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Na primeira tentativa, Tailane Brito Santos, 21 anos, foi motivada por uma amiga. No processo, acabou se apaixonando por tudo que viveu e voltou para concorrer novamente após o filho completar 1 ano de idade. “Quanto mais fui estudando, conhecendo a história do bloco e o que ele despertava em mim, o amor foi crescendo e, hoje, venho primeiro por mim”.

Música: “Herança banto”, de Paulo Vaz e Cissa

Thuane Vitória Pereira Santana

Thuane Vitória Pereira Santana. 42ª Noite da Beleza Negra. Ilê Aiyê. Foto Jefferson Dias.

*Dedicar o título para as filhas Akemi, de 5 anos, e Ayla, 1 ano, é a motivação de Thuane Vitória Pereira Santana (Thuane Vitória), 25 anos, em sua segunda tentativa. Na primeira vez, a mãe, que morreu em 2017, incentivou Thuane. “Minha filha sempre diz que quer me ver como aquela menina que vê na televisão com o pano amarelo na cabeça. Elas me inspiram muito e me fazem ser uma pessoa melhor. É por elas e por minha mãe que estou aqui novamente”.

Música: “Esteticamente nobre”, de Valmir de Brito e Genilson Santus

Curiosidades

#A festa nasceu com o nome de “Festa da Mais Bela Crioula”, em 1979, e depois foi denominada “Noite da Beleza Negra do Ilê Aiyê” por um dos membros da diretoria, Sérgio Roberto.

#A denominação Deusa do Ébano vem de um dos sucessos do bloco composto por Geraldo Lima e cantado por Lazzo Matumbi.

#É proibido o uso de objetos usados no candomblé nas roupas das candidatas.

#A diretora artística do Ilê, Dete Lima, recomenda que toda rainha memorize uma música na cabeça para ir cantando durante a subida do Curuzu. A música não chega aos ouvidos da rainha por causa da distância entre os carros.

#Não precisa ser do candomblé para concorrer ao título de Deusa do Ébano

#O carro de apoio do Ilê só vai na frente do trio (ao contrário dos outros blocos) porque lá está a rainha, a condutora do caminho a ser percorrido por todos os associados.

# Para permanecer disposta durante os três dias de desfile, na sexta-feira a Deusa do Ébano se muda para o terreiro Ilê Axé Jitolu, onde fica até a Quarta-feira de Cinzas.

SERVIÇO:

42ª Noite da Beleza Negra
Onde: Senzala do Barro Preto – Rua Direta do Curuzu, s/n, Liberdade
Quando: 28 de janeiro
Horário: A partir das 20h.
Atrações musicais: Band’Aiyê e Afrocidade
Ingressos neste link.

CARNAVAL 2023
Sábado- 18/02: concentração no Curuzu (Circuito Mãe Hilda), às 20h, até o Plano Inclinado da Liberdade
Domingo -19/02, a partir de 2h: Circuito Osmar (Campo Grande)
Segunda-feira -20/02, às 18h30: Circuito Osmar (Campo Grande)
Terça-feira – 21/02, às 18h: Circuito Osmar (Campo Grande), concentração na Rua Chile