
Essa é uma daquelas histórias de Salvador que lembramos para sempre. Daqueles contos que vão rechear matérias de jornais e diários de viagem, e que depois viram mini séries, novelas e filmes. Programe-se para ir ao Curuzu na Noite da Beleza Negra do Ilê Aiyê. Este é um evento que só acontece aqui, para se colocar “na lista” de experiências a serem vividas…
Entre deusas e rainhas
Liberdade, não por acaso, é palavra feminina. Feminina como força, como casa, como senzala. No sábado, 20 de janeiro, a Senzala do Barro Preto abriu suas portas para a 39ª edição da Noite da Beleza Negra. Mas a noite, a beleza, as negras e toda a força feminina das deusas do Ilê Aiyê atravessaram portas e paredes e tomaram conta de toda a Liberdade.

Como costuma acontecer todo ano, a Rua do Curuzu estava cheia de gente, a maioria negra. Os bares a caminho do Ilê estavam sintonizados na TV, onde estava sendo transmitida toda a festa. Pelos celulares, a população acompanhava os stories de quem estava lá dentro e as ruas estreitas e coloridas tinham cartazes de torcidas. Donas de casa alugavam vagas de estacionamento, donas de restaurantes faziam mais feijão, donas de si desfilavam suas coroas de cabelos e turbantes. Na Liberdade, as mulheres são as donas do mundo, do dia e da noite.
A Noite da Beleza Negra é – junto com o sábado de Carnaval – uma das datas mais importantes do ano do Ilê Aiyê. A “casa dos negros” vivia um clima de festa, com as apresentações de oito das 16 candidatas ao título de Deusa do Ébano. No intervalo entre o primeiro e o segundo grupo, diante dos jurados, o palco da Senzala abriu uma fenda no tempo e todos os que ali estavam foram transportados para um lugar ancestral. Eram a voz e a presença de Seu Mateus Aleluia, uma entidade viva, entoando cânticos para Iemanjá. “Senhoras donas Bahias”, as mulheres negras entraram em seguida, vestidas de claridade e abençoando uma criança que recebeu um banho de folhas e flores, ali mesmo, no miolo do axé. A vida afinal é assim: esse espetáculo que acontece enquanto se pisca incrédulo em meio a tudo. Milagres do povo, desses que acontecem todos os dias, como as trivialidades de mais uma noite de verão na Bahia.

Coisas do Ilê, que depois do intervalo espetacular trouxe as oito candidatas que ainda não haviam se apresentado para o povo. Deusas e rainhas, várias filhas de Iansã e Oxum, vindas de Nazaré, Cabula, Carmo e até da Geórgia, nos Estados Unidos. Mas quando ela entrou, a coisa foi diferente. Jéssica Nascimento já veio coroada. Em poucos minutos, mostrou o que faz uma mulher negra resistir e existir: autoconfiança. Jéssica evoluiu no palco até a frente e, diante do público, fez o impossível: parou o tempo. Braço erguido, postura altiva, olhar de rainha. Ficou assim por alguns segundos, dominadora, plena de si e de seu mundo. Dona e divina. E ninguém acreditou, mas todo mundo viu mais um dos milagres do Ilê. A rainha sorriu já transformada em deusa, seguiu sua dança e até quem estava longe aplaudiu, porque no Ilê os súditos também são reis e rainhas. Milagres do povo. Milagres do Ilê.
Produtora de Conteúdo
Fernanda Slama
Coordenadora de Conteúdo
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