A convergência de forças de todo o país que quase ninguém conhece
Uma festa popular baiana cheia de significados que vem sendo redescoberta pelos turistas
Na madrugada de 2 de julho de 1823, a cidade de Salvador amanheceu quase deserta: o exército Português deixou em definitivo a província da Bahia. Dizem* que o dia nasceu bonito, sem as chuvas de junho. O sol brilhou!
Os baianos conhecem esta data como sendo a Independência do Brasil na Bahia, que celebra a vitória dos brasileiros na guerra travada na então província da Bahia, por mais de 17 meses (de fevereiro de 1822 a julho de 1823) contra as tropas portuguesas. Com a vitória do Exército e da Marinha do Brasil na Bahia, consolidou-se a separação política do Brasil de Portugal.
O 2 de julho ficou na reverência patriótica dos baianos que, desde então, estabeleceram a tradição de comemorá-lo anualmente com a repetição da entrada do Exército Pacificador na cidade de Salvador. Você já conhecia esta história? Então vem com a gente e melhor ainda, programe-se para conhecê-la ao vivo, participando da festa!
Do começo – O Fogo simbólico e Te Deum** na Basílica
O primeiro passo é o fogo simbólico que representa a união dos povos que lutaram pela independência. O fogo é aceso no dia 30 de junho na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, em Cachoeira, no recôncavo baiano. Neste mesmo dia, também é celebrado o Te Deum pela Independência do Brasil na Bahia, uma louvação na Catedral Basílica de Salvador, no Terreiro de Jesus, Pelourinho.
O rito do fogo simbólico é representado por uma chama em uma tocha que percorre diversas cidades sendo passada de mão em mão por atletas amadores, oficiais do exército, atletas profissionais, artistas e líderes políticos com destino à cidade de Salvador, no bairro de Pirajá, onde se acende uma pira no dia 01 de julho.
Personagens da História e Figuras simbólicas
A festividade do dois de julho sempre foi mais ligada às causas populares. As figuras de Maria Quitéria, Joana Angélica, o Corneteiro Lopes e João das Botas falam de um imaginário totalmente diferente do que se tem da independência do Brasil. A batalha gerou seus heróis, neste caso, quase todos originários das camadas mais pobres da população e reverenciados até hoje com carinho pelos baianos. São nomes inesquecíveis nesta saga que não existem nos livros didáticos de história do Brasil e, portanto, são desconhecidos para a maioria dos brasileiros. Posteriormente, foram acrescentadas as figuras simbólicas do Caboclo e da Cabocla. Hoje eles são “as estrelas” do cortejo, saindo em carros emblemáticos.
O Caboclo e a Cabocla representam o exército que lutou na guerra formado por soldados regulares e voluntários, brancos pobres, tupinambás, negros libertos e pessoas escravizadas enviadas pelos seus senhores. Por todo o caminho, essas duas figuras simbólicas recebem dos passantes flores, frutas e bilhetes com pedidos. A famosa expressão baiana “Vá chorar aos pés do caboclo” surgiu daí.
O caminho percorrido pelo cortejo
No dia 2 de julho, o cortejo remonta a passagem do exército pelas ruas, fazendo, teoricamente, o mesmo percurso que teriam feito ao chegar à cidade, tomando os fortes e se aquartelando nos conventos, igrejas e quartéis.
O festejo sai do Largo da Lapinha, onde acontece queima de fogos, execução do Hino Nacional e hasteamento da bandeira. Há também a colocação de flores, pelas autoridades, no monumento ao General Labatut – militar francês que comandou o Exército Pacificador. Nesta caminhada, que passa pelo Convento da Soledade, em direção ao bairro do Santo Antônio Além do Carmo, é possível ver as casas decoradas nas cores das bandeiras do Brasil e do estado da Bahia. Isso também se deve a uma tradicional premiação para a melhor fachada, o que instiga ainda mais os moradores a participarem da festa.
Depois, o cortejo segue parando em vários pontos até o Pelourinho. Ao chegar à Igreja de Nossa Senhora Rosário do Pretos, há uma bonita homenagem. A Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos foi fundada no ano de 1685 e elevada à categoria de Ordem Terceira em 2 de julho de 1899. Uma data duplamente festiva. A homenagem começa com missa às 7h e, em seguida, com a chegada dos carros emblemáticos, colocam coroas de flores nas imagens do Caboclo e da Cabocla.
Seguindo pelo Centro Histórico até o Palácio Rio Branco, os carros param retornando por volta das 14h. É neste momento que acontece uma Cerimônia Cívica no 2º Distrito Naval, no Comércio. Depois, o cortejo segue até o Campo Grande, onde acontece o hasteamento das bandeiras por autoridades, execução do Hino Nacional pelas bandas de música da Marinha, Exército e Aeronáutica, colocação de Coroas de Flores no Monumento ao 2 de Julho pelas autoridades presentes, acendimento da pira do Fogo Simbólico – que normalmente é de um grande atleta baiano – e execução do Hino ao 2 de Julho.
Finalizando o dia, das 17h30 às 21h30, acontece o Encontro de Filarmônicas vindas de Cachoeira, Saubara, Santo Amaro da Purificação, São Francisco do Conde, Candeias, Simões Filho entre outras.
A volta da Cabocla
Depois de ficarem dias em exposição na praça do Campo Grande, para contemplação e devoção popular, os carros com as figuras do Caboclo e da Cabocla fazem o percurso de volta no dia 05 de julho. As celebrações são encerradas com o cortejo dos carros emblemáticos para a Lapinha, com participação de Orquestras como a do Maestro Reginaldo de Xangô, fanfarras e grupos culturais.
A guerra pela independência foi uma convergência de forças de todo o país sobre a qual poucas pessoas têm conhecimento. O intuito da festa é ser do povo para o povo, sendo uma das maiores de Salvador. Descobrir as histórias da primeira capital do Brasil é entender a formação do nosso próprio país.
Saiba a história completa e muitas curiosidades sobre esta celebração neste link.
Por Fernanda Slama
Coordenadora de Conteúdo
Serviço
Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB)
(Local onde os carros emblemáticos do Caboclo e da Cabocla ficam durante o ano)
Nº Piedade, Av. Joana Angélica, 43 – Nazaré, Salvador – BA, 40050-001.
Mais informações pelo telefone: (71) 3329-4423
Fontes:
Livro: História da Bahia, de Luís Henrique Dias Tavares, historiador, professor emérito da Universidade federal da Bahia (UFBA).
Livro: Irmandade do Rosário dos Pretos – Quatro séculos de Devoção, uma realização da Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora às Portas do Carmo Irmandade dos Homens Negros.
Leitura da entrevista “Uma guerra na Bahia”, feita pela jornalista Mariluce Moura ao historiador Luís Henrique Dias Tavares a respeito do livro: Independência do Brasil na Bahia, também do historiador.
Nota: “Dizem* que o dia nasceu bonito, sem as chuvas de junho. O sol brilhou!” – O mesmo relato foi dado por diferentes pessoas na construção desta matéria. Tanto nos livros quanto nas entrevistas, quanto curiosos e amantes da Bahia contaram, à sua maneira, que o dia nasceu sem nuvens e o sol reinou no dia 2 de julho de 1823.
Nota: O Te Deum* (A Ti, Deus!) é um hino da Liturgia das Horas, rezado nos domingos e dias solenes. Este hino foi composto por Santo Ambrósio e Santo Agostinho, no ano de 387, em Missão, por ocasião do batismo de Santo Agostinho.